A invasão da Rússia na Ucrânia completou dois anos. Apesar das dificuldades e contínuos combates entre os dois países, e, obviamente, do rastro de destruição resultante dos combates, o ecossistema de startups continua de pé! Isso mesmo, tornando-se um dos principais estudos de caso em resiliência empresarial do mundo.
Das 511 empresas de tecnologia sediadas em Kharkiv (Ucrânia) antes de fevereiro de 2022 – atualmente uma cidade alvo de bombardeios – 500 continuam em operação. De acordo com especialistas e envolvidos diretos no ecossistema do país, essas empresas não só operam, mas estão em crescimento e expansão.
“Mas, como assim?”
Isso se deve ao envolvimento direto dos países europeus e ocidentais.
Esses países apoiam o ecossistema diretamente (e indiretamente) uma vez que essas startups oferecem serviços e soluções que facilitam o seu dia a dia.
Esta semana, o Google lançou um “Fundo de Apoio Google for Startups Ucrânia” com um orçamento de US$10 milhões para apoiar startups durante 2024 e 2025. As startups selecionadas receberão até US$200.000 em financiamento sem capital, bem como orientação, suporte e até US$300.000 em créditos do Google Cloud. Desde o início da guerra, o Google afirma ter alocado mais de US$45 milhões em ajuda direta e US$7 milhões para apoiar esforços humanitários.
Este programa já forneceu a 58 startups 5 milhões de dólares em subvenções não patrimoniais e 15,8 milhões em financiamento. As empresas de tecnologia apoiadas desta forma incluem Skyworker.ai, Mindly e Zeely. Zeely levantou uma rodada inicial de US$1 milhão no ano passado.
Outra powerhouse de investimento a iniciar um programa de apoio foi a aceleradora estoniana “Startup Wise Guys” lançou o Growth Ukraine.
E o projeto “Seeds of Bravery”, financiado pela UE, lançou cinco programas para apoiar startups tecnológicas ucranianas, com investimentos entre 10K a 50K euros.
Na semana passada, foi lançado um programa de apoio a startups sem fins lucrativos UK-Ukraine TechExchange, especializado em tecnologia de defesa e agtech.
O programa privado trabalha principalmente com startups que desenvolvem drones, detecção de mísseis baseada em som de UAVs (drones avançados de guerra), tecnologia de defesa anti drones e drones para serviços agrícolas.
Uma pesquisa recente do Cluster de TI de Lviv (“Adaptabilidade e Resiliência em Meio à Guerra”) – que, segundo ele, é baseada em entrevistas com 7.000 especialistas em tecnologia e mais de 400 empresas – descobriu que, embora um número substancial de especialistas em tecnologia tenha fugido do país, a maioria permanece, incluindo ucranianos que estudam e ingressam no mercado de trabalho no país e no exterior.
O número total de especialistas em tecnologia, afirmou, aumentou mais de 7%, para 307.600 pessoas. Cerca de 242 mil destes continuam a viver e a trabalhar na Ucrânia. O número de técnicos ucranianos dispersos internacionalmente é de até 65.000, contra 55.000-57.000 há um ano, um aumento de 20%.
Esses trabalhadores, e o setor tecnológico da Ucrânia, contribuíram para manter a economia do país à tona durante a guerra.
A indústria tecnológica contribuiu com 4,9% (ou 7,1 mil milhões de dólares) para o PIB da Ucrânia no ano passado. No Índice de Competitividade de TI da Europa Emergente, publicado em abril do ano passado, a Ucrânia ficou em 12º lugar, subindo do 14º em 2022.
A Polônia, dada a sua fronteira partilhada com a Ucrânia, tornou-se rapidamente o principal país para aqueles que fogem da guerra. Cerca de 36% dos CEO ucranianos planejam abrir novos escritórios, 28% deles no estrangeiro, sendo que a maioria continua a escolher a Polónia como segunda base de operação.
A Ucrânia também está desenvolvendo tecnologia para o governo. mRiik, a mais recente ferramenta digital da Estônia, se inspirou no app Dii, utilizada pela secretaria de inovação e tecnologia da Ucrânia, que armazena digitalmente e de forma segura, os documentos de identidade, passaportes e CNH, assim como permitir acesso a determinados serviços públicos.
O mesmo Ministério da Transformação Digital também gere o Fundo Ucraniano para Startups, que se tornou o maior investidor anjo do país, apoiando mais de 350 startups. Muitas destas startups, respondendo ao clima em que trabalham e sendo financiadas, centraram-se na defesa e em aplicações de dupla utilização.
Para alimentar ainda mais esse ecossistema, na primavera de 2023, o país lançou uma iniciativa tecnológica de defesa chamada BRAVE1. Isto acelera a inovação nos setores de defesa e segurança. Segundo a organização, durante os dez meses de existência do cluster Brave1, mais de 1.200 desenvolvimentos foram registrados na plataforma, metade dos quais passaram na perícia militar e receberam o estatuto BRV1. Além disso, a Brave1 emitiu 168 doações no valor total de US$ 2.920.000, afirma.
As startups ucranianas mais maduras e as startups lideradas por fundadores ucranianos também não ficaram paradas:
A Preply levantou mais US$ 70 milhões em investimentos no ano passado – uma combinação de dívida e capital próprio – para estender sua Série C para US$ 120 milhões. Hoje conta com 650 funcionários e 40 mil professores de idiomas. Ela afirma ter aumentado a receita em 10 vezes desde 2021 e recentemente abriu um novo escritório na cidade de Nova York. Ela oferece aulas gratuitas de idiomas em grupo para ucranianos deslocados e não cobra taxas de comissão de nenhum tutor baseado no Reino Unido.
Headway é uma startup EdTech, fundada pelo ucraniano Anton Pavlovsky, com sede principalmente em Kiev, Ucrânia. e lançou o projeto de RSE Essência da Ucrânia para ajudar a comunidade global a descobrir a Ucrânia.
Em minha recente viagem para o Websummit (Lisboa PT), maior evento de tecnologia e inovação do mundo, pude presenciar as startups Ucranianas em peso, com pavilhão e stands exclusivas.
Historicamente, antes do conflito, tanto a Rússia quanto a Ucrânia tinham emergido como locais com ecossistemas de startups em crescimento. A Rússia, com cidades como Moscou e São Petersburgo, viu um aumento significativo no número de startups e investimentos em tecnologia nos anos anteriores. Da mesma forma, a Ucrânia, especialmente em cidades como Kiev, também estava testemunhando um aumento no número de startups e no interesse dos investidores.
Apesar desses eventos traduzirem para nós um impacto significativo nas economias e nos ecossistemas empresariais de um país, com possíveis consequências negativas para as startups, tais como interrupção de operações, redução de investimentos estrangeiros e fuga de talentos – não é bem isso que estamos testemunhando. Sim, em tempos de guerra, os recursos e atenção podem (e devem) ser destinados para questões de segurança e reconstrução, mas isso não impede o empreendedorismo e a inovação.